APENAS O HESITAR

Nas Olimpíadas de 2005, a russa Yelena Isinbayeva quebra, pela primeira vez – e duas vezes no mesmo dia –, o recorde da modalidade salto com vara para mulheres. No vídeo que registra aquele nada excepcional dia de julho, é possível ver o olhar da atleta mirando atentamente para o obstáculo que está a sua frente, respirando, e tomando sua mais importante decisão: saltar. Isinbayeva corre, apoia a vara e seu corpo se contorce rumo aos 5 metros de altura. O rosto da atleta guarda extrema concentração e aparente serenidade. Quantas vezes ela imaginou, projetou e treinou aqueles movimentos? Quantas outras ela pensou desistir diante das dificuldades, foi habitada por um medo paralisante e hesitou antes de correr? Em Apenas o hesitar, a artista Danielle Cukierman nos propõe mirarmos para estes segundos antes da tomada de decisão e habitarmos, de maneira consciente, a suspensão, a incerteza e a irresolução.

Nos trabalhos em pintura contidos na mostra, planos horizontais e verticais constituem caminhos sobre os quais um corpo feminino levita: a figura é representada no exato momento do salto, onde há apenas a incerteza. Dentre massa de tinta e cores complementares, Cukierman faz uma ode às possibilidades infinitas contidas no destino de todos os seres que habitam o planeta:

Não há um só ponto de entrada para o olhar: somos inundados por cores opostas e complementares que reconstroem um imaginário de elementos quase circenses e à infância. Nesta fase da vida, importantes elementos de nossa subjetividade são constituídos e o hesitar – acompanhado por complexas relações de causalidade – é aprendido. Talvez para nós, mulheres, este sentimento marque ainda mais nossa experiência: será que fomos desencorajadas a construir castelos de cartas maiores que nós mesmas ou a desistir de nossa ida ao espaço sideral? O hesitar passa a constituir a base a partir da qual projetamos quem queremos ser. Seria possível subvertê-lo e torná-lo impulso para salto?

A mostra é composta ainda por uma grande instalação de cortinas plásticas, comumente utilizadas em câmaras frias e outros espaços industriais. Ao emitir frequências de onda diferentes, as cores têm funções: podem ser proteção térmica ou física. A cortina de PVC divide o espaço em dois e, ao receber a luz que adentra a sala expositiva, tinge-o: o espectador experimenta seu peso com o próprio corpo. Danielle Cukierman tem uma longa trajetória investigando signos ligados à prevenção de incêndios, às rotas de fuga e a busca por ressignificar materiais industriais e de sinalização urbana em seus trabalhos. Neste contexto, o material plástico parece materializar espacialmente as grossas camadas de tinta presentes nas pinturas, e que servem de metáfora para os múltiplos caminhos que podem ser seguidos.

Em Apenas o hesitar, há uma relação direta com o Realismo Fantástico – ou melhor, com o Realismo Maravilhoso de autores latino-americanos. Segredo, sonho e realidade convivem em um mesmo universo, que se abre à especulação. Apesar de investigar a matéria pré-fabricada, Cukierman é uma artista que tem a ficção como ponto de partida em todos os seus trabalhos. Apenas o hesitar é um convite para estender o tempo de suspensão, colocar o corpo para fora de jogo (quando necessário) e para narrar ficções sobre nós mesmas. O mais importante do salto não é o momento da chegada no solo, mas os momentos nos quais estamos no ar preparando nossa chegada.

Ana Roman

curadora